Anjos da enfermagem

Estudantes de enfermagem tornam-se palhaços para visitar enfermarias em hospitais

 

Por Luis Felipe e Vitória Conrado

A entrevistada é a professora Jucimara Circuncizão, 49 anos, professora da faculdade Bahiana, formada em enfermagem e coordenadora do projeto Anjos da Enfermagem na Bahia. Ela fala sobre o projeto, onde surgiu a ideia, como se espalhou pelo Brasil, a ajuda aos mais jovens em um ambiente que se encontram pessoas hospitalizadas, a busca  por auxílios de empresas privadas e o envolvimento de artistas. Conta ainda como não perder o humor diante dos pacientes em estado grave e um episódio no qual houve morte e como reagiram diante disso.

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Coordenadora do projeto Anjos da Enfermagem na Bahia: Jucimara Circuncizão

Como surgiu o projeto Anjos da Enfermagem?

Os Anjos da Enfermagem é um projeto de extensão universitária nacional que começou com um trabalho de conclusão de curso de graduação da estudante Jakeline Duarte na região metropolitana de Cariri, no Ceará. Depois que ela leu o livro ‘O amor é contagioso’ de Path Adams, [história baseada em fatos reais de um médico que tenta ajudar as pessoas usando o bom humor] teve essa ideia para o trabalho ganhando uma proporção não esperada. A estudante começou a colocar o projeto em prática sozinha, vendo o quanto essa iniciativa tinha impacto para crianças com câncer e, com isso, conseguiu apoio da população fazendo com que o trabalho fosse se desenvolvendo, motivando a ter ideias de voluntariado e parceria com escolas. Em 2003, ela começou com o projeto pequeno, fez parceria com faculdades, depois veio com o COREN do Ceará [Conselho Regional de Enfermagem do Ceará] e mais tarde o COFEN [Conselho Federal de Enfermagem]. Havia poucos estados conveniados no início. Eram apenas três e uma faculdade por estado, porém na Bahia havia duas: a Bahiana e a UNIME. O projeto cresceu tanto que hoje estamos em 18 estados do Brasil.

A presidente e os coordenadores recebem pelo trabalho exercido ou tudo é feito voluntariamente?

Hoje tudo tem auditoria e licitações. O projeto já está sendo muito bem estruturado, vai uma verba na qual a presidente tem que prestar contas, e a outra parte vai para ela que também trabalha como funcionária com um salário. Como não é uma ONG, mas sim, um projeto de extensão, estamos dentro dos moldes legais do cunho educativo e social. Esse foi um dos grandes problemas que exigiu fazer uma auditoria para comprovar.

Como são escolhidos os alunos para o projeto?

A escolha dos alunos é feita por uma seleção que é feita através de um edital voltado para estudantes de enfermagem do 1º ao 8º semestre, que pode ser modificado dependendo da grade de cada faculdade do país, o score[média de notas] do aluno e a potencialidade da dinâmica dessa pessoa. A seleção em si é feita através de entrevistas e algumas dinâmicas para identificar novatos com o potencial artístico que receberão uma bolsa financeira pelo cumprimento das 8 horas semanais.

Como encontrar o limite entre exercer as atividade e o não envolvimento emocional com os pacientes?

É uma questão difícil, porque a demanda emocional é muito grande. É necessário perceber o limite de cada um, saber separar e não se envolver tanto, para não acabar atrapalhando o trabalho e não adoecer. Existem reuniões mensais que avaliamos a parte emocional dos estudantes, que é fundamental, porque é um ambiente muito delicado. Fazemos oficinas e dinâmicas, antes para haver uma preparação psicológica maior, mas muita coisa acontece na hora da atividade, não tem como prever.

Como fazer pra não se abater em casos mais graves?

Como eu disse, a demanda emocional é muito grande. Por isso trabalho em parceria, tem eu [a coordenadora] e uma sub-coordenadora. Quando a gente percebe que o aluno sentiu, se abateu, damos  apoio, conversamos, vê se dá pra eles voltarem e às vezes até choram. Mas, ao mesmo tempo, você tem que fazer essa relação com a emoção, porque é o trabalho. No ano passado, eles se envolveram muito com uma menina que estava em um estado grave. Ela melhorava em uma semana e piorava em outra, por isso ficou muito tempo hospitalizada. A alegria dela eram os Anjos, toda sexta-feira a garota nos esperava. Teve um momento que ela precisou de sangue, o grupo se mobilizou, fizeram campanha, mas, no final de semana, ela faleceu. Houve um trabalho muito grande, por que eles choraram muito. A sexta-feira seguinte foi difícil, mas é importante lembrar que nós fomos importantes para a vida dela, talvez se não estivéssemos lá, poderia ter acontecido mais cedo. Fizemos nosso trabalho. A família que sempre nos apoiou, agradeceu muito, até porque como o caso era grave, dava uma leveza na família para esquecer aquele momento difícil e esse é o nosso objetivo.

As famílias apoiam a iniciativa ou têm receio da reação delas?

A gente tem um retorno positivo dos pais, que demonstram sempre uma mudança no humor e na perspectiva de ter uma esperança maior, tirando um pouco o foco do ambiente hospitalar. Há dias em que as atividades ficam mais voltadas para os pais do que para as próprias crianças. Eles também precisam dessa atenção, que é um afago, uma alegria. Às vezes, é uma conversa, outras famílias, pedem para rezar, alguns pedem música evangélica, e então, temos que aprender um pouco de tudo e ir se adaptando à realidade. Mas existem também pais que não autorizam a presença dos Anjos, talvez pelo impacto inicial de estranhamento e nós temos que respeitar, porque não se pode ultrapassar esse limite, mas mudam de ideia quando vêem outros pais comentarem sobre o benefício que tem feito para os filhos. Alguns resistem, mas quando vêem que a criança se ilumina, eles começam a participar.

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Visita ao hospital Jorge Valente: dinâmica com pais, funcionários e médicos

Algumas crianças têm medo de palhaços e máscaras, como vocês lidam com essa situação?

 A gente entende que existem crianças que se assustam, então começamos as atividades com calma. É difícil para alguns alunos novatos por chegarem afoitos, sem ter ainda a percepção do ambiente. O bom do Anjos é adquirir o ‘time’ dessas situações. Quando se percebe que a criança tem o medo e a angústia de alguma brincadeira, temos que ter a capacidade de saber lidar com esse contexto de forma lúdica: “Ajuda a tia a desfazer o palhaço!”. E vai tirando a maquiagem, o nariz, o chapéu, para ele perceber que é uma pessoa e não o personagem que tanto  assusta. Também existem outros que gostam dos personagens, mas querem nos conhecer como pessoas e pedem para tirar os acessórios e nos desfazermos do personagem.

O grupo sente falta de apoio? Seja do governo, da população, de artistas, entre outros…

Não posso dizer que o Governo não apoia, porque não tive essa experiência. Se fizéssemos o trabalho direito desse marketing, de mostrar o que é o projeto, para que serve e como ele é,  consegue parceria, sim. Estamos vivendo um momento em que, apesar da crise econômica, as pessoas estão mais mobilizadas para os trabalhos sociais. Até já tentamos inserir outros apoios, mas, por exemplo, temos duas grandes campanhas: a  ‘Higiene é saúde’ e a ‘Doe alimento, doe vida’, para as quais buscamos apoio de diversos meios e percebemos que é muito mais fácil adquirir o auxílio dos pequenos empresários do que dos grandes. Os próprios pais, às vezes, querem contribuir por se apegarem tanto ao projeto e sentirem a importância da manutenção para o seu filho, oferecendo dinheiro para a continuação das visitas dos estudantes. É importante ter essas pessoas que doam seu tempo e que fazem algo em prol, não só ali, mas também para a comunidade, porque depois, nessas campanhas grandes, a gente distribui as arrecadações para outras instituições.

O quanto campanhas como as do McDonald’s, por exemplo, ajudam vocês?

Para o nosso projeto, tem uma visibilidade muito grande participar desses programas. Nós fomos um dos grandes parceiros para o incremento do McDiaFeliz, já que com os jovens fantasiados e chamando a atenção para o estabelecimento com a brincadeira, as crianças querem ver o que é, e os pais acabam nos ajudando, estourando as vendas desses pontos. Existiram muitas críticas em relação a essa parceria por se tratar de um apoio a um estabelecimento que proporciona uma alimentação que não é saudável, mas esse é um programa que a gente vê um retorno direto dessa ação, por exemplo, o GACC [Grupo de Apoio à Criança com Câncer] ganhou o ônibus necessário para a locomoção das crianças que vão fazer a quimioterapia através desse projeto do McDonald’s. É uma das atividades com as quais a gente se compromete, que nós sabemos sabe que tem um retorno.

 

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