Drogas: uma questão de informação

“Precisamos falar abertamente sobre elas”

 

Por Rafaela Ainsworth, Rebeca Almeida e Vitória Croda

Eduardo Ribeiro tem 32 anos e além de historiador formado pela UFBA, ocupou em 2014 a cadeira de representante da sociedade civil na ABESUP (Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos). A associação, que reune especialistas de diversos setores do ensino, promove o desenvolvimento de estudos sociais sobre o uso de substâncias psicoativas. Como membro da Associação, Eduardo era responsável pelo controle social em relação à forma como o governo do estado trata a questão das drogas.

Qual a diferença entre a descriminalização e a legalização?

A descriminalização se dirige à pessoa que faz uso de substância psicoativa. Ou seja, você descriminaliza o usuário. Legalização é um processo de regulamentação da substância, isto é, você estabelece regras de comércio, de produção e de distribuição.

Quais os impactos sociais da criminalização do usuário?

Sob o ponto de vista de como ocorre no Brasil, a criminalização atinge principalmente a população negra, o que a torna muito mais uma criminalização da pobreza e da raça do que uma criminalização da própria substância. A justiça atua sobretudo contra pequenos traficantes e varejistas, que não têm um papel tão impactante na rede de drogas. Então, a criminalização é a responsável pela maior parte do encarceramento no Brasil. Hoje, 70% das mulheres encarceradas são por tráfico de drogas e cerca de 35% dos homens apreendidos, segundo a professora Luciana Boiteux (UFRJ), não portavam armas na hora da apreensão, estavam com pouca quantidade de drogas e eram réus primários. Ou seja, a criminalização não atinge, de fato, a circulação da substância e ainda legitima o genocídio do Estado contra a população negra. Fora isso, a própria criminalização reduz a possibilidade do indivíduo que faz uso abusivo a procurar ajuda, uma vez que ele é encarcerado antes de chegar no sistema de controle.

De que forma surgiu essa relação entre o racismo e a criminalização das drogas?

Se formos parar para analisar os objetivos declarados da criminalização, que são a política de proteção da saúde pública e o controle do mercado da substância, a gente vai descobrindo os objetivos latentes escondidos, que têm muito mais a ver com o controle das populações do que com o controle da substância ou com a proteção da saúde pública.

A ideia de criminalizar a maconha, por exemplo, é na verdade, criminalizar a população negra. Quando a maconha foi criminalizada no Brasil, em 1932, observamos que naquele momento histórico existiam outros mecanismos de controle da população negra, como a perseguição ao jogo, a perseguição às religiões de matriz africana, a perseguição à capoeira, ao crime de vadiagem. Era um conjunto de instrumentos de controle que a guerra às drogas se encaixa.

O encaminhamento da questão de uso das drogas à saúde pública se configuraria como a melhor solução?

É uma armadilha quando as pessoas tentam tirar esse assunto do campo da justiça criminal e incorporar totalmente no campo da saúde. Ela é uma questão de saúde, mas não só disso. A gente correria o risco de o Estado, ao invés de encarcerar as pessoas, interná-las, caso a questão fosse vista somente como um problema de saúde. É também um problema de saúde mas assim como também é uma questão de cultura, uma questão de direito ao seu próprio corpo. O uso de drogas é uma questão multifatorial. As pessoas usam drogas por diversos motivos.

O que é e qual a importância da estratégia de redução de danos?

A redução de danos surge na década de 80 como uma perspectiva de cuidado para evitar ou diminuir a contaminação por HIV entre usuários de substâncias injetáveis. A troca de seringas foi uma das primeiras experiências do mundo em redução de danos, que parte do princípio do auto-cuidado da pessoa que faz o uso. Ela não parte da abstinência e sim de tecnologias que produzem métodos para que a pessoa se relacione com a droga causando menos danos à sua saúde e contribuindo para sua sociabilidade. Ao longo dos anos, o trabalho na redução foi se fortalecendo e se construindo não só no paradigma da saúde, mas no paradigma de oferecer aos indivíduos um suporte, por vezes material, para que eles possam superar o uso abusivo de psicoativos, nunca buscando, como resultado final, a abstinência. A redução de danos acontece desde que seja por vontade do próprio usuário.

Quais projetos atuam com a proposta de Redução de Danos em Salvador?

Existem dois programas, a Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti e o CETAD (Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas). E a própria iniciativa da troca de seringas, que veio da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Famed/UFBA).

Como geralmente se dá o primeiro contato do jovem com as drogas?

É preciso fazer uma investigação do que estamos considerando como droga. Porque se eu disser qual foi meu primeiro contato com droga, eu iria dizer que foi o açúcar. Talvez depois, o chocolate. O que é interessante é que as pessoas inevitavelmente vão se encontrar com as drogas. Não é um problema isso acontecer, as drogas fazem parte da História. E a gente as utiliza de várias formas, seja terapêutica, recreativa, religiosa… O que nós podemos oferecer, inclusive para as pessoas mais jovens, é uma quantidade de informações mais qualificadas para que, quando elas acessarem essas substâncias, sobretudo as substâncias que oferecem um impacto mais importante na saúde, se tenha o entendimento dos riscos e possíveis danos que elas estão assumindo ao utilizar aquela droga e, inclusive, para optar pelo não uso.

Que medidas vêm sendo adotadas para evitar o contato do jovem com as drogas?

Esse é um tema recorrente entre educadores e pessoas que pensam em políticas sobre drogas. Só que normalmente esse tema vem sob um viés pouco qualificado, como: “nós precisamos impedir, através da demonização do usuário, que os jovens tenham acesso às drogas”. É obvio que é interesse do Estado, das políticas de saúde e das políticas de assistência psicossocial que a gente impeça a relação abusiva das pessoas com o uso de qualquer substância. Agora, do ponto de vista das substâncias ilícitas, a criminalização prejudica ainda mais esse tipo de formação. As ações que temos hoje de prevenção do uso de droga nas escolas partem desse lugar de criminalização e estigmatização do usuário e da venda da ideia de um “caminho sem volta” e de que algumas substâncias seriam “porta de entrada” para substâncias mais pesadas, o que são equívocos. Então, é importante que a gente tenha não uma tentativa de impedir que o jovem chegue às drogas, mas educá-lo para um mundo onde as substâncias existem. Precisamos falar sobre elas abertamente e oferecer as melhores informações.

 

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